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Fund reform innovations still limited in scope*

Inovações da reforma de fundos têm alcance ainda limitado

A dez dias do prazo final, só 69% dos fundos estão adequados, diz Anbima

Por Liane Thedim — Do Rio

 

A dez dias do prazo final para o mercado se adaptar ao novo marco regulatório dos fundos de investimentos, poucas gestoras já tiram proveito das inovações trazidas pela resolução 175, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O uso de classes e subclasses, maior flexibilidade para investimentos no exterior e redefinição das responsabilidades entre os diversos participantes são alguns aspectos que vão redesenhar a indústria, mas que até aqui têm alcance limitado.

 

À medida que a prática mostre novas fragilidades ou deficiências, o setor espera ajustes adicionais e uma nova rodada de adaptações. Conforme o Valor apurou, o regulador cogita a criação de um grupo de trabalho para organizar melhorias. Oficialmente, a CVM afirma, que “dentro do necessário, tomará medidas a fim de aprimorar a regulamentação vigente.”

 

Monitoramento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que 69% dos fundos estavam ajustados às novas regras ou em processo de adequação, até o dia 12, o que corresponde a 22.552 de um total de 32,6 mil portfólios, sendo que 6,4 mil já foram criados sob a nova regulação. A quase absoluta maioria só adequou sistemas para se manter regular.

 

“Imaginei que a indústria seria mais criativa ou se beneficiaria imediatamente das inovações, mas isso ainda não aconteceu”, diz Pedro Rudge, diretor da Anbima.

 

São os casos das classes e subclasses, que permitem segmentar um mesmo fundo em carteiras e condições para diferentes públicos, ou do aumento da parcela investida no exterior.

 

Rudge lembra que foi um processo complexo, que exigiu ao menos seis ofícios de esclarecimento da CVM e um adiamento, quando o Congresso aprovou as mudanças tributárias nos fundos exclusivos fechados, no fim de 2023. “Boa parte dos tombamentos para a nova regulação só está replicando a estrutura atual. Ficava difícil fazer com antecedência muito grande.” A análise é, portanto, que num segundo momento, os gestores começarão a aproveitar as possibilidades abertas pela 175.

 

No campo macroeconômico, as assets foram ainda atropeladas por um cenário adverso, que incluiu aperto monetário, desconfianças em relação à política fiscal e a recente política comercial americana. Ao mesmo tempo em que se adequavam aos requisitos regulatórios não podiam descuidar da gestão.

 

“Todos os contratos com prestadores precisaram ser revistos, foi um esforço grande”, diz José Tibães, responsável pela plataforma de fundos da XP. O executivo concorda que a maior parte das inovações acabou ficando para depois porque era preciso esperar toda a cadeia estar adaptada. “Agora vamos atuar a quatro mãos com os gestores.”

 

Gustavo Piersanti, diretor de serviços fiduciários do BTG Pactual, diz que, na verdade, o primeiro ano depois da 175 foi concentrado em entender a norma no detalhe. A migração efetiva, afirma, só começou a acelerar neste ano. “O que teoricamente seria feito em dois anos aconteceu nos últimos seis meses.”

 

Imaginei que a indústria se beneficiaria imediatamente das inovações, mas isso não aconteceu”

— Pedro Rudge

Piersanti diz que já começaram as conversas em busca de modernizações. “O momento agora é de dois mundos paralelos, com alguns na norma antiga e outros na nova”, resume o executivo. “Daqui a algumas semanas todos estarão na mesma régua e virá o movimento mais intenso de mexidas nos produtos.”

 

Os que estão mais avançados nesse processo, diz ele, são os as grandes gestoras, que têm capacidade de se adequar e, ao mesmo tempo, adotar mudanças eletivas da resolução. O BTG é administrador de 6.300 fundos, e 85% já estão adequados à 175.

 

Sem considerar os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) e de participações (FIPs), mais familiarizados com as classes, somente 30 fundos, entre multimercados, renda fixa e de ações, por exemplo, já estão usando as multiclasses, além de 74 fundos de investimento imobiliário (FIIs), segundo a Anbima. “Os distribuidores enfrentaram dificuldades sistêmicas”, justifica Rudge. Entre os fundos imobiliários, a proporção adaptada fica um pouco abaixo do mercado em geral, em torno de 61%, segundo levantamento da consultoria Uqbar, especializada em crédito estruturado, o que corresponde a 689 de 1.134 FIIs.

 

O aumento da parcela no exterior é outro ponto da reforma de que a indústria não está usufruindo. Depende de sistema desenvolvido pela Anbima, já aprovado pela CVM, mas ainda inoperante. O limite para fundos de varejo era de 20% e, para o investidor qualificado, 40%. Com a 175, pode chegar a 100%. Dos fundos já adaptados, 61% declararam a possibilidade de aplicar recursos offshore. Piersanti, do BTG, pondera que, mais do que a parte operacional, pesa sobre esses avanços para ativos internacionais o momento do mercado, com juros altos no Brasil e instabilidade no exterior.

 

Rudge afirma que a orientação da Anbima nessa reta final é que os gestores não façam nenhuma alteração que implique convocação de assembleia. Por exemplo, criar classes e subclasses pode ser por ato do administrador, mas elevar a parcela que pode ser investida no exterior exigiria a votação de cotistas.

 

Para o diretor da Anbima, o grosso das melhorias na resolução já foi feito, mas ainda devem acontecer ajustes técnicos.

 

Em entrevista ao Valor nesta semana, João Pedro do Nascimento, presidente da CVM, afirmou que, para os fundos que de alguma forma não estiverem cumprindo a regulação, a CVM deve atuar no sentido de “entender as dores que se aplicam ao mercado, para ser cuidadoso e não misturar o sujeito que pratica um desvio de conduta, um ilícito de mercado, com o sujeito que eventualmente está ali no processo de adaptação, mas ainda não completou todas as etapas.” Segundo ele, “a pauta punitiva está sempre associada ao desvio de conduta, à prática de um ilícito de mercado.”

 

O debate [sobre a transparência na remuneração] vai puxar a profissionalização de assessores”

— José Tibães

Tibães, da XP, diz que nos fundos distribuídos pela plataforma, a adaptação está na fase final. O impacto maior, avalia, será na determinação de maior transparência na remuneração, com a abertura da parcela da taxa de administração cobrada do cliente que cabe à distribuição, ao administrador e ao gestor. “Já estamos mostrando a ‘quebra’ da remuneração.”

 

Para Tibães, com as regras de transparência da 175, junto com a resolução 179, vai ganhar espaço a discussão sobre a adoção da remuneração fixa, no lugar da “taxa de rebate”, ou seja, a comissão que a distribuição recebe quando seu cliente aplica em determinado produto de investimento. “A regulação trouxe a pauta para a mesa, mas os dois modelos podem conviver e o cliente faz sua escolha. O debate vai puxar a profissionalização da rede de assessores.”

 

A redistribuição das responsabilidades entre administradores e gestores, antes vista como desigual, com peso maior para os administradores, foi uma das mudanças mais importantes da 175. Com ela, os gestores assumiram mais tarefas. Esse reequilíbrio abriu oportunidades de negócios para administradores, que passaram a prestar em contratos separados serviços antes inclusos no trabalho. Piersanti, do BTG, conta que na instituição ao menos três desses serviços já estão operacionais, separadamente: a diligência de prestadores de serviços (no qual se investiga e avalia a integridade e a capacidade das empresas que trabalham para a gestora), a geração do relatório de investimentos no exterior (quando investe por meio de um veículo offshore o gestor tem que publicar informe com a composição da carteira internacional) e o cálculo e a geração de dados de parâmetros de riscos para o perfil mensal. “Há novos nichos a atuar e cada fundo trará oportunidades.”

 

As perspectivas de novos negócios e de serviços que facilitem o enquadramento na 175 também estão no radar da Oliveira Trust, que tem R$ 155 bilhões sob administração e R$ 174 bilhões sob custódia. José Alexandre Freitas, presidente da empresa, conta que desenvolveu um sistema próprio de processamento de recebíveis que atende ao sistema de subclasses com rapidez. Segundo ele, a empresa foi contratada por quase todos os gestores com quem já trabalhava para o serviço de critério de elegibilidade, pelo qual se verifica se o ativo está enquadrado ao regulamento do fundo. A função era do administrador e passou ao guarda-chuva do gestor.

 

Outro serviço que passou a ser prestado pela Oliveira Trust é o de diligência da contraparte. A instituição, inclusive, aumentou a equipe em 10% diante das novas demandas. Só em desenvolvimento de tecnologias, o time foi de 55 para 80 em um ano e meio. Freitas recorda que o “mais traumático” no segmento dos FIDCs foi a entrada da figura das registradoras, entidades responsáveis por garantir que os direitos creditórios não estão fraudados, como, por exemplo, vendidos em duplicidade a fundos. “Elas precisam de interoperabilidade, num sistema unificado para mostrar que aquela duplicata não está cedida a outro fundo. Foi o mais difícil porque é um novo player entrando no processo.”

 

Para ele, um dos reflexos da 175 será a consolidação de gestoras. O executivo frisa que esse movimento já começou. “Não dá para operar FIDCs com menos de 30 funcionários, por exemplo”, comenta. “Entre nossos clientes tínhamos alguns com seis empregados. Conforme assimila mais responsabilidades, o mercado vai se consolidando”, afirma.