Banks put the brakes on, and commercial receivables FIDCs grow 61%*
Após fraude da Americanas, gestoras avançam no financiamento a empresas; patrimônio de fundos passa de R$ 257 bilhões
Por Liane Thedim — Do Rio 28/10/2024
A crise causada pela fraude contábil bilionária na Americanas abalou o mercado financeiro no ano passado e fez os bancos se retraírem em linhas de financiamento com lastro em recebíveis comerciais. O espaço foi ocupado pelas gestoras de recursos, por meio dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Estudo da Ouro Preto Investimentos mostra que esse segmento subiu de R$ 160,4 bilhões em julho de 2023, poucos meses depois do estouro da crise da varejista, em janeiro, para R$ 257,8 bilhões no mesmo mês de 2024, o que corresponde a um crescimento de 61% em um ano, muito acima da expansão de 37% registrada pelos FIDCs em geral no período.
Para se ter uma ideia da velocidade do aumento pós-Americanas, em dezembro de 2022, antes do escândalo, o total de recebíveis comerciais em FIDCs era de R$ 158,1 bilhões, ou seja, praticamente estável frente ao acumulado seis meses depois. Segundo dados do Banco Central (BC), dos R$ 5,5 trilhões em carteiras de crédito dos bancos, R$ 1,2 trilhão hoje é de recebíveis comerciais. Em dezembro de 2023 o montante era de R$ 1,4 trilhão, de um total em carteira em torno de R$ 5,3 trilhões.
Proporcionalmente, portanto, é uma modalidade que ganhou peso para os FIDCs, já que corresponde a 47% do total na classe de fundos – R$ 550 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). “Os fundos de recebíveis ainda representam somente um quinto do volume nos bancos, que reduziram o ritmo. Então, projetamos que corresponderão a metade daqui a cinco anos”, diz João Baptista Peixoto Neto, CEO da Ouro Preto, que tem R$ 11 bilhões sob gestão e cerca de 90 FIDCs.
Ele comenta que a securitização de crédito, sistema usado pelos FIDCs para transformar recebíveis comerciais em ativos negociáveis, não entra na recuperação judicial, ao passo que no balanço dos bancos há impacto tanto antes, com a provisão, quanto depois de uma eventual inadimplência, que entra para a fila de credores.
No caso de Americanas, conforme informações da varejista, um total de R$ 18,4 bilhões de crédito na modalidade de risco sacado com bancos foi “inadequadamente” contabilizado, porque deveria ter sido lançado como dívida, mas foi para uma conta transitória de fornecedores. “Como temos regras rígidas de controle do lastro, os FIDCs são mais dinâmicos para identificar problemas nas empresas. Se os recebíveis da Americanas estivessem em um desses [fundos], a situação teria sido mais transparente.”
O risco sacado está entre as principais operações dos bancos com recebíveis. É um tipo de transação na qual a empresa compradora (uma varejista, por exemplo) antecipa o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos, tendo como garantia as notas fiscais. A instituição financeira adianta o pagamento para o fornecedor e quem vira devedor do banco é a compradora, chamada de “sacado”. Os bancos também concedem linhas de crédito para capital de giro, conta garantida e antecipam vendas com cartões de crédito.
Nas assets, também as notas vão como garantia, se tornam títulos e compõem os FIDCs, que captam dinheiro de investidores para antecipar esses pagamentos. Os FIDCs que operam com um ou mais fornecedores, chamados de “cedentes”, também são comuns. Dos juros cobrados do comprador ou do fornecedor sai o retorno pago aos cotistas. Também podem entrar em FIDCs de recebíveis vendas com cartões de crédito e financiamentos de compras do consumidor, por exemplo.
“Os fundos de recebíveis são os mais fáceis e rápidos de montar, ao mesmo tempo em que os bancos reduzem suas estruturas e vão deixando de ter interesse por transações menores. Por isso são os que mais vêm tendo impulso”, diz o CEO da Ouro Preto, que prevê crescer 60% neste ano. Eduardo Siqueira, diretor de relações com investidores e mercado de capitais da SRM Asset, lembra que a concentração do setor bancário reduziu a oferta de crédito e, paralelamente, houve forte aumento de interessados nesse instrumento, sobretudo após a taxação dos fundos fechados exclusivos ou restritos.
“Em abril de 2023 começamos a perceber o aumento, com os fornecedores batendo à nossa porta”, confirma Thiago Figueiredo, diretor de investimentos da Intrabank Asset. Antes, de acordo com ele, era difícil competir porque as taxas dos FIDCs eram mais altas. De um lado, geralmente os bancos prestam um pacote de serviços e muitas vezes reduzem alguns custos porque ganham no todo. E, de outro, os fundos captam recursos oferecendo um rendimento acima de fundos de renda fixa comuns, já que têm mais risco. “Eu capto dinheiro a CDI mais 4,5% e a operação precisa remunerar no mínimo isso, enquanto o banco capta a CDI apenas. Mas, quando eles saíram de cena, os FIDCs ocuparam o espaço mesmo com custo mais alto.”
Figueiredo explica que é comum o descasamento entre os prazos que o fornecedor recebe dos clientes, geralmente em no mínimo cem dias, e o de gastos administrativos e com matérias-primas, que é mensal. Pelo lado do sacado, ou a empresa que vai pagar esse fornecedor, a varejista que facilitar essa antecipação dá a ela, portanto, mais poder de negociação de preço e prazo de entrega, por exemplo.
“É difícil os bancos reocuparem o espaço porque os FIDCs são muito eficientes”
— Thiago Figueiredo
A Intrabank tem um fundo principal “multissacado” e “multicedente” de R$ 700 milhões e outros exclusivos, conforme o relacionamento com cada empresa vai se ampliando. O executivo diz que são vários “monossacados” em processo de finalização. Desde 2021, a gestora já administrou R$ 5 bilhões em FIDCs. O foco são recebíveis comerciais de médias e grandes empresas, e os vencimentos dos créditos são em até 120 dias.
Já a SRM, há 20 anos no mercado e com R$ 1,1 bilhão sob gestão, é focada no modelo multicedente/multissacado, em três fundos. A empresa chega a ter cem mil sacados, com tíquete médio de R$ 8 mil. “A pujança da nossa originação permite executar nossa tese de não concentrar risco”, diz Siqueira. “Chegam aqui, por dia, de R$ 50 milhões a R$ 60 milhões em ofertas, e fechamos R$ 25 milhões.”
O executivo da Intrabank também diz que adota um modelo de rigidez na avaliação. Ele conta que muitas vezes o banco faz a verificação das notas por amostragem, por ter relacionamento maior com aquele cliente, ao passo que a Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exige dos FIDCs um nível mais alto de documentação por ter recursos de cotistas. “Todas as notas têm que ser registradas e conferidas se o item foi produzido de fato e entregue ao cliente. Até o número de rastreamento do caminhão nós temos.”
Por conta dessa exigência menor dos bancos, conta ele, foi preciso educar os clientes estreantes, acostumados ao modelo anterior, além de investir pesado em tecnologia para automatizar e agilizar o processo. Os recursos dos FIDCs são dos sócios da Intrabank e de investidores profissionais. “É difícil os bancos reocuparem o espaço porque os FIDCs são muito eficientes. Só se eles cobrarem taxa muito abaixo”, diz Figueiredo.
Segundo Leandro Andrade, gestor da Polígono Capital – joint-venture entre BTG Pactual e Prisma Capital com R$ 6,5 bilhões sob gestão, criada para atuar no mercado de soluções de crédito -, a asset concentra em uma só empresa âncora, ou seja, com um sacado (a loja, por exemplo) e multicedentes (fornecedores) ou o contrário, um cedente e multissacados. Atualmente são 40 fundos de dez a 12 teses diferentes na casa, que incluem crédito consignado e imobiliário, sendo que o de recebíveis comerciais inclui gigantes como Mercado Livre, Vivo e Casas Bahia.
“O ambiente tecnológico permite fazer o FIDC em escala e com segurança, já que o arcabouço jurídico protege a transação e consegue spread interessante”, comenta Andrade. Ele explica que o fundo pode até receber nota de crédito melhor que a da empresa, o que reduz o custo de captação. A base de investidores da Polígono é de 95% de investidores profissionais e o restante de qualificados. Andrade conta que o índice de recusa é alto. “A demanda por crédito é infinita. As empresas estão sempre precisando, mas crédito com qualidade é difícil. A gente fala mais não do que sim.”
Para José Alexandre Freitas, CEO da Oliveira Trust, que administra e custodia cerca de R$ 87 bilhões de FIDCs, os casos de empresas com problemas no mercado de crédito privado foram positivos para o setor de securitização, porque, segundo ele, os FIDCs que tinham papéis dessas empresas em carteira devolveram 100% do capital investido com a remuneração devida. Isso, somado ao recuo dos bancos e à evolução regulatória da 175, levou, segundo ele, a esse forte crescimento. “Foi uma experiência positiva e motivadora de renovação do segmento.” A Oliveira Trust cresce até setembro 10% frente a dezembro de 2023 e espera expansão de 15% em 2024. Em 2025, prevê bater R$ 130 bilhões.