Companies anticipate debt negotiation*
Com risco de piora financeira, companhias pedem ‘perdão prévio a credores com objetivo de rever termos de contratos e estender prazos de pagamentos
Por Rita Azevedo — De São Paulo
28/01/2025 05h02 Atualizado há 4 meses
A possibilidade de piora da saúde financeira das companhias neste ano, em meio ao aumento da Selic e à deterioração das expectativas para juros e inflação, tem levado mais empresas a negociar com credores.
No mercado de crédito privado, é crescente o número de emissores que convocam assembleias para pedir o chamado perdão prévio (“waiver prévio”), que ocorre quando a empresa teme não conseguir cumprir os termos combinados no momento da emissão da dívida e negocia a possibilidade de ficar livre de certas obrigações por um período.
Desde a crise de crédito de 2023, provocada por casos de Americanas e Light, os emissores passaram a usar mais o perdão prévio como uma ferramenta para diminuir a visibilidade de potenciais defaults, diz Eugênia Souza, sócia e diretora da área de dívida corporativa da Vórtx, que atua como agente fiduciário, intermediando a relação entre emissores e credores.
“No ano passado, quase 30% das assembleias de que participamos era para ter essa autorização prévia”, diz Souza. “As empresas estão se antecipando mais. Quando o emissor vê a taxa futura abrindo [aumentando], já chama o credor para negociar uma carência ou prorrogação de prazo”.
Antonio Amaro, diretor de serviços fiduciários do Oliveira Trust, diz que se prepara para um aumento do volume de assembleias de credores neste ano, considerando o cenário difícil para as empresas. “Não acho que vai ocorrer um boom, mas ao longo do ano é esperado um aumento. A tendência de melhora do mercado, se acontecer, é só em 2026”, afirma.
De 2023 para 2024, o número de assembleias organizadas pela Oliveira Trust quase dobrou, chegando a 2 mil, acompanhando também o crescimento das operações da empresa. Na Vórtx, foram 3,44 mil assembleias em 2024, número 56% maior que o registrado um ano antes.
Segundo Amaro, desde o quarto trimestre de 2024 foi possível ver alguns reflexos da piora das condições econômicas. “A inadimplência ficou praticamente estável, mas começamos a notar uma necessidade maior de readequação e de waiver em algumas operações”, diz.
Os investidores acenderam o alerta para o potencial impacto nos balanços das emissoras de dívidas a partir de setembro, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu retomar o ciclo de alta dos juros. Em dezembro, a piora das expectativas para o cenário fiscal aumentou ainda mais as preocupações. E a expectativa no mercado é que o colegiado eleve a Selic em 1 ponto percentual nesta semana, para 13,25% ao ano.
“Nos primeiros dias de 2025, acompanhamos um aumento do pedido de esclarecimentos por parte dos credores. Eles querem saber se os covenants, aferidos em março, serão cumpridos. Em nossa área de special sits’ [situações especiais], recebemos quase 50 pedidos para calcular como estão os indicadores financeiros das empresas”, diz Souza, da Vórtx.
Com o ambiente mais difícil, empresas que estavam com estruturas mais alavancadas não terão como escapar das negociações, diz Fábio Coelho, presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Do lado dos investidores, diz, “negociar é o caminho pra continuar enxergando valor na empresa”.
É a qualidade da negociação, porém, que vai ditar se o credor seguirá ou não apostando na companhia, afirma. Coelho lembra que em meio à crise de crédito de 2023 muitos investidores relataram que empresas que, até então, mantinham um bom relacionamento com os credores se fecharam para as conversas. “Os investidores hoje estão vacinados e devem lembrar das companhias que deixaram um gosto amargo na boca”, afirma.
O esperado para este ano é que até quem não enfrenta risco de quebra procure mais os investidores. Isso porque movimentações comuns em períodos econômicos difíceis – como venda de ativos, combinação de negócios ou contratação de novas dívidas – exigem autorização em muitos casos. Discussões sobre ampliação do prazo de vencimento de dívidas devem surgir com frequência também.
No fim de dezembro, por exemplo, a Magazine Luiza conseguiu aprovar com debenturistas a ampliação, para 2028, do prazo de um papel que venceria em 2026, pagando remuneração maior. As debêntures foram emitidas em dezembro de 2021. A empresa captou com a operação R$ 2 bilhões a uma taxa equivalente a CDI mais 1,25%. A partir de agora, pagará o equivalente a CDI mais 1,75%.
Em nota, o diretor financeiro da varejista, Roberto Bellissimo, disse que a negociação resultou na prorrogação do prazo de vencimento das debêntures sem qualquer mudança nos covenants originais. “A extensão do prazo fortalece ainda mais a estrutura de capital do Magalu, agora com a maior parte de sua dívida com vencimento no longo prazo e uma menor concentração nos vencimentos anuais.”
Para aceitar mudar os termos de uma emissão ou conceder a autorização para o descumprimento de alguma regra, credores costumam pedir em troca o pagamento pontual de uma taxa que serve como compensação pelo risco adicional de crédito, o chamado “waiver fee”.
A Equipav Saneamento propôs aos debenturistas pagar um prêmio equivalente a 0,5% do saldo do valor das debêntures caso seja autorizado previamente o não cumprimento do covenant que estabelece um limite de dívida bruta até 2031. A assembleia foi convocada para 31 de janeiro e é voltada a donos de debêntures da sexta emissão, realizada em março de 2024.
Segundo a empresa, a solicitação de liberação temporária de condições contratuais relacionadas ao endividamento foi feita para possibilitar o acesso ao mercado de dívidas no futuro. “Essa solicitação preventiva tem como objetivo aumentar a flexibilidade para a estratégia de crescimento de longo prazo, reforçando a solidez da estrutura de capital da companhia e adequando as condições da emissão aos avanços estratégicos e financeiros desde então”, disse em nota.
O pagamento de compensações desse tipo ou a concessão de garantias adicionais são pontos que devem ser levados em conta pelas empresas antes de negociar, diz o advogado Fábio Cascione, que relata um aumento das consultas sobre como agir em caso de quebra dos covenants financeiros. A recomendação depende de cada caso, afirma, mas as companhias devem lembrar que o desafio vai além de convencer os credores. “É preciso ter caixa para fazer isso. No fim do dia, significa também um aumento adicional do endividamento”, diz.
Salvatore Milanese, sócio-fundador da Pantalica Partners e especialista em recuperação de empresas, recomenda que as companhias não esperem que o problema estoure para buscar os credores. “As empresas não precisam estar em default pra sentar pra negociar. Pelo contrário, o que sugerimos é que as conversas sejam adiantadas, considerando o ano complicadíssimo em que estamos”, diz.