Debenture investor toughens up in post-American assemblies*
No ano passado, houve 33% mais reuniões entre emissores e detentores de títulos, e credores passaram a se organizar melhor para as negociações
Por Rita Azevedo — De São Paulo
20/02/2024
O clima das assembleias de debenturistas, eventos em que investidores e companhias emissoras de títulos de dívida sentam-se à mesa para discutir assuntos do interesse de ambos, mudou desde 2023, quando crises corporativas como a da Americanas e a da Light estouraram e o cenário de crédito piorou. Com a sensação de que mesmo empresas vistas como seguras enfrentam problemas e que surpresas desagradáveis poderiam se repetir, os credores adotaram uma postura mais ativa e um pouco menos flexível nas conversas.
O volume de assembleias também aumentou. Considerando apenas as que reuniram debenturistas, o número de atas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) cresceu 33% em 2023 em comparação a 2022, passando de 238 para 317, segundo levantamento feito pelo Valor.
Na securitizadora Vórtx, o número de assembleias organizadas mais do que dobrou de 2022 para 2023, indo de 948 para 2,21 mil. Na Oliveira Trust, passou de 725 para pouco mais de 1 mil no mesmo período. Nesses dois casos, os dados consideram assembleias de debêntures e de outros títulos de dívida, como certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA).
“A crise fez o investidor acompanhar ainda mais de perto a situação das companhias”, diz Antonio Amaro, diretor da Oliveira Trust, empresa que atua como agente fiduciário, intermediando a relação entre emissores de títulos de dívida e credores, e que organiza as assembleias.
A descoberta do “rombo contábil” da Americanas foi divulgada em janeiro de 2023. No mês seguinte, surgiram rumores da piora da situação financeira da Light e da possibilidade de a companhia de energia entrar em recuperação judicial, o que foi confirmado em maio. A proximidade dos casos envolvendo duas emissoras frequentes de títulos de dívida acendeu um alerta para os investidores.
“Em um primeiro momento, o crédito como um todo foi colocado sob suspeita e os credores começaram a solicitar mais assembleias para fazer uma espécie de investigação paralela, buscando encontrar, por exemplo, uma fraude contábil como da Americanas”, afirma Eugênia Souza, sócia e diretora da área de dívida corporativa da Vórtx, que atua também como agente fiduciário.
“(…)Depois de Americanas e Light, vimos um crescimento das diligências dos investidores”
— Maurício Fernandes
Passado o susto inicial do início de 2023, mas ainda com receio de novas crises, os investidores adotaram uma postura mais cuidadosa. “A gente sempre fazia uma ou duas ligações para tirar dúvidas antes das assembleias, mas depois de Americanas e Light vimos um crescimento das diligências dos investidores. Antes, nós não recebíamos tantas solicitações de informações”, diz Maurício Fernandes, assessor jurídico da Oliveira Trust.
Dentro das assembleias, as conversas se tornaram um pouco mais tensas. Das cinco gestoras independentes ouvidas pela reportagem, quatro afirmaram que ficaram menos flexíveis. Todas falaram na condição de anonimato. O tom mais duro nas conversas foi justificado pela necessidade de compensar o aumento do risco.
A crise também forçou uma aproximação entre os investidores. Se antes as decisões eram tomadas, na maior parte das vezes, de forma individual, passou a ser mais comum a criação de grupos para o compartilhamento de informações importantes e o alinhamento das posições nas reuniões. “O modus operandi tem sido, desde então, mais colaborativo. Ao primeiro sinal de problema, os investidores formam um grupo para discutir o tema e criar mecanismos para não prejudicar nem o investimento, nem a companhia”, diz Fernandes.
Os primeiros a fazer isso foram os debenturistas da Americanas, que, em uma organização inédita no mercado de capitais brasileiro, se uniram em busca de um lugar de destaque na mesa de negociações com a varejista. Essa organização incluiu a contratação de escritórios de advocacia de peso para assessorá-los nas conversas. Parte dos debenturistas ficou com o escritório Munhoz Advogados e outra parte com o Felsberg Advogados.
A procura por assessoria jurídica por donos de títulos de dívida, aliás, ficou mais frequente, segundo advogados ouvidos pelo Valor. “Esse é um movimento até natural considerando que os debenturistas estão cada vez mais representativos no endividamento das companhias. Faz sentido, então, que eles tenham mais influência nas discussões e que busquem assessores”, explica um deles, que preferiu não ser identificado.
Fábio Coelho, presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec), afirma que uma das lições tiradas de 2023 foi a necessidade de organização dos investidores diante de um evento que afete a qualidade de crédito de uma companhia. Ele lembra, porém, que essa aproximação só foi possível aos investidores institucionais, já que, em casos envolvendo debêntures pulverizadas em milhares de pessoas físicas, o processo seria mais difícil.
Outro aprendizado, segundo Coelho, foi passar a considerar o tamanho do quórum exigido para abertura de uma assembleia no processo de escolha de um investimento, evitando emissões de títulos com quóruns “inatingíveis”. “Algumas debêntures tinham quóruns muito elevados e a emissão era pulverizada entre pessoas físicas. Nesses casos, foi muito difícil chamar uma assembleia e organizar esse pessoal todo para votar”, diz.
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Boa parte das assembleias de 2023 serviu para a renegociação de cronograma de pagamentos e de garantias, mas também houve episódios de descumprimento dos chamados “covenants”, cláusulas restritivas previstas na emissão da debênture que impedem, por exemplo, que a empresa ultrapasse um limite de endividamento. No geral, caso uma cláusula desse tipo seja descumprida, os credores se reúnem para decidir se irão ou não obrigar a companhia a pagar antecipadamente a dívida.
Além do “efeito Americanas” e do crescimento natural das carteiras de operações dos agentes fiduciários, o maior volume de assembleias em 2023 também é explicado pelo cenário macroeconômico e pelo alto nível das taxas de juros. O risco de crédito das empresas aumenta à medida que os juros sobem porque, além dos desafios que as companhias já enfrentam no dia a dia, como lidar com a concorrência e encontrar novas formas de aumentar as receitas, elas têm que administrar um custo de dívida maior. É nesse momento que as métricas de crédito pioram e as empresas começam a descumprir os covenants, explica um gestor.
Em busca de um alívio da situação, muitas companhias passam a contrair novas dívidas ou a vender bens para reforçar o caixa. Nas duas situações, também é comum que assembleias sejam convocadas para que os credores autorizem as operações.
Também houve casos de empresas que tentaram se antecipar frente a uma possível quebra de “covenant” e chamaram assembleias para pedir uma flexibilização das regras durante um período específico. Em situações assim, os investidores geralmente concedem a anuência prévia (“waiver”, no jargão do mercado), mas costumam pedir em troca o pagamento pontual de uma taxa que serve como uma compensação pelo risco adicional de crédito. Os credores também podem aumentar a lista de exigências com a melhora do pacote de garantias ou o aumento da taxa da operação.
A Companhia de Água e Esgoto do Ceará, por exemplo, negociou com investidores em dezembro o perdão prévio para o não cumprimento de uma regra, considerando a possibilidade de não atingir determinados índices de alavancagem. Os debenturistas pediram, em troca do perdão, a vedação da prestação de garantias reais pela empresa a outras dívidas com bancos sem a aprovação prévia, além de uma taxa adicional, conforme a ata da reunião enviada à CVM.
Da mesma forma, a empresa de logística Sequoia sentou à mesa com credores em setembro em busca do perdão pelo eventual descumprimento de indicadores financeiros relativos ao pagamento das parcelas de remuneração de outubro de 2023 a dezembro de 2025. No fim, a companhia costurou um acordo com os debenturistas que incluiu a emissão de novos papéis conversíveis em ações.