FIDC market prepares for retail*
Patrimônio dos FIDCs soma R$ 364 bi, segundo dados da Anbima
Por Juliana Schincariol — Do Rio
Valor Econômico| Agosto de 2023
José Alexandre Freitas, da Oliveira Trust: mercado de fundos de direitos creditórios ‘nunca esteve tão aquecido’ — Foto: Leo Pinheiro/Valor
O cardápio de investimentos do público em geral ganhará uma nova opção a partir de outubro, quando lhe será permitido aplicar diretamente em FIDCs, os fundos de investimentos em direitos creditórios, um produto estruturado e mais sofisticado. O mercado se prepara para a nova fase, e a oferta, no primeiro momento, deve ser por meio de “fundos de fundos”, que também terão maior liberdade para aplicar nesses ativos. Ainda que de forma mais cautelosa, oferecer ao varejo acesso direto às cotas está no radar de gestores e administradores a partir do último trimestre do ano.
Os fundos de direitos creditórios ainda são pouco conhecidos do grande público, que não tinha uma demanda específica para acessar o produto, como acontecia com os fundos que aplicam no exterior, por exemplo. As novas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começaram a ser discutidas há alguns anos, depois de resolução do Comitê Monetário Nacional (CMN) alinhada com a agenda do Banco Central para melhorar o ambiente de crédito.
Os FIDCs são uma alternativa ao crédito tradicional e proporcionam capital de giro imediato para as empresas. Esse tipo de fundo faz aplicações em créditos a receber de um determinado devedor, também conhecido como “sacado”, de forma pulverizada. A carteira gera um fluxo previsível de pagamentos de juros para os investidores de cada cota. A cota sênior tem menor risco porque tem a preferência de pagamentos e resgates. Já a subordinada, dividida entre as subclasses mezanino e júnior, é a primeira afetada em casos de “default” e, por outro lado, tem retornos maiores.
Desde que foi criado, há pouco mais de 20 anos, o produto era restrito aos investidores qualificados, aqueles que possuem pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras. Para o varejo, a única possibilidade de acesso era via fundos com limitação de até 20% de exposição nestes ativos. A partir de outubro, as limitações deixam de existir, desde que o FIDC atenda a um rol de requisitos impostos pela CVM. Entre eles, o varejo poderá acessar apenas as cotas seniores e os fundos deverão ser avaliados por agências de rating.
Com a maturação do mercado de securitização em geral e o surgimento de novos produtos, como os certificados de recebíveis e debêntures de securitização, é natural a CVM permitir acessos ao FIDC. Dados da Anbima apontam um patrimônio total de R$ 374 bilhões dos fundos de direitos creditórios e, deste total, mais de R$ 130 bilhões estão nas mãos de fundos de investimento. Em 12 meses até julho, a modalidade tem captação líquida de pouco mais de R$ 12 bilhões, na contramão de outros fundos mais líquidos, como de renda fixa, ações e multimercados, cujos resgates foram maiores do que as captações no período.
O público em geral terá oportunidade de acessar uma nova classe que tem risco-retorno menor do que o mercado de ações, mas acima da renda fixa. A agência de classificação de risco Liberum Ratings analisou 156 FIDCs com lastro em recebíveis comerciais, os chamados “multicedente/multisacado”, um universo no total de R$ 17 bilhões, em 40 meses entre janeiro de 2020 a abril de 2023. Nos FIDCs alavancados (aqueles com mais de uma classe), as subordinadas tiveram rentabilidade de 100,59%, e os não alavancados cresceram pouco mais de 35,40%, ante 25% do CDI no período.
O cofundador da Liberum, Décio Santos, diz que o estudo mostrou que, ao menos no período analisado, a alavancagem foi capaz de proteger o capital subordinado da volatilidade da política monetária ao mesmo tempo em que potencializou a rentabilidade, com resultado acima do “benchmark” pactuado. “O fundo alavancado é muito positivo no cenário de queda de juros. O investidor, seja o profissional, o qualificado ou o público em geral, precisará buscar ativos diferenciados para melhorar a rentabilidade do seu portfólio”, diz Santos.
A adesão do varejo ao FIDC, na visão de Santos, será semelhante ao que aconteceu com os fundos imobiliários. “Será uma crescente, é necessário educar as pessoas, cada uma dentro do seu universo.” Gestores e administradores estão se preparando para a nova fase e avaliam oferecer cotas de FIDCs diretamente ou por meio de fundos de fundos, mas a oferta deve ser gradativa, segundo o advogado Fabrício Avino, sócio do Cepeda Advogados. “O lançamento de produtos depende da capacidade da indústria de educar o investidor para os riscos de FIDCs para que possa entendê-lo com mais conforto. A regulamentação ajudou muito nos critérios que trouxe.”
José Alexandre Freitas, presidente da Oliveira Trust (OT), que administra e custodia cerca de R$ 80 bilhões de FIDCs, acredita que o mercado de undos de direitos creditórios “nunca esteve tão aquecido como agora”. “Fazer oferta de um grande FIDC e destinar 20% ou 30% para o varejo vai ser algo bem comum.” Esse movimento, afirma o executivo, deve começar no último trimestre e deslanchar em 2024.
Com os FIDCs, o público também terá possibilidade de diversificação para além das cerca de 400 empresas listadas na B3, aponta Freitas. “O varejo acaba acessando somente debêntures com rating AAA e remuneração próxima da Selic. O FIDC vai começar com operações com um pouco mais de risco. Uma empresa que não é listada vai poder fazer o FIDC e acessar o mercado”, diz.
Dentre as gestoras ouvidas pelo Valor, a ideia é oferecer o investimento via fundos de fundos. E, na visão do superintendente da CVM, Bruno Gomes, essa estratégia vai ampliar muitas possibilidades para o investidor. “Ter um gestor escolhendo os FIDCs para o investidor pode deixá-lo mais bem posicionado”, afirma Gomes. A partir de outubro, além de poder acessar diretamente os fundos de direitos creditórios, o varejo também poderá passar a investir nos Fiagro de FIDCs.
Na Itaú Asset, o plano é abrir o FIDC Diferenciado ao varejo, por meio de um FIC FIDC. A carteira do FIDC Diferenciado tem alta qualidade de risco de crédito e é conservadora, diz a superintendente de crédito da gestora, Fayga Czerniakowski Delbem. A série subordinada deixa o cotista sênior com retorno potencial menor, mas protegido. “Temos expectativa de lançar outros produtos”, afirma Delbem.
A executiva defende que o FIDC precisa ser “desmistificado” e que o produto não é tão complexo. “O FIDC é um instrumento que permite uma segregação de risco entre diferentes perfis de investidores. A estrutura em si não adiciona risco. Em muitos casos, para a cota sênior, o risco é mitigado. O FIDC vai de operações AAA e outras com maiores yields”, afirma. O produto, continua, teve poucos problemas e escândalos do passado não foram estruturais e sim relacionados a questões como fraudes.
“Não acreditamos neste primeiro momento que o investidor de varejo vai comprar uma cota de FIDC específica. Acreditamos no modelo de fundos de fundos. Em vez de criar um fundo novo do zero, vamos usar um fundo com ‘track record’ e prepará-lo para o público em geral”, afirma o sócio da Solis Investimentos, Dêlano Macedo. Segundo ele, a intenção é entender o comportamento deste novo público para decidir oferecer outros produtos. Na visão da Solis, há espaço para o crédito crescer por meio do mercado de capitais, especialmente pelos FIDC.
Além da educação financeira dos investidores, o entendimento de toda a cadeia é que os próprios prestadores de serviços precisarão se ajustar e se familiarizar com o produto. Mesmo que não exista uma demanda represada dos investidores, os FIDCs possuem taxas atrativas e estão livres de alta volatilidade pela possibilidade de serem marcados na curva, diz Beatrice Ferrari, sócia da Blackbird Investimentos. “Acredito que por isso [o FIDC] será distribuído de forma volumosa por assessores e gestores”, diz.