Dúvidas sobre Resolução 175
Investidor Institucional | Edição 357
As vésperas de passar a operar no varejo, segmento de FIDCs ainda tem muitas dúvidas sobre como como funcionarão as novas regras
“Ficou muito genérico. Porque ser passível de registro, teoricamente, todo recebível é”, diz o CEO da Oliveira Trust, José Alexandre Freitas
Depois de mais de vinte anos regida pela Resolução 356 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs) passarão a ser norteados a partir de outubro de 2023 por um novo marco regulatório, a Resolução 175, que mudará significativamente seu operacional. O objetivo é substituir um conjunto de normas que estavam defasadas – constituídas no lastro de papel enquanto, atualmente, a digitalização é preponderante – e resolver algumas assimetrias ou vedações que não faziam mais sentido no dia a dia das operações, além de formalizar práticas já adotadas.
O caminho não foi fluido. No cronograma inicial, a Resolução 175 entraria em vigor em abril, porém uma enxurrada de pedidos para adiamento obrigou a CVM a postergar o dia D. O ponto nevrálgico foi a inclusão da figura do registrador entre os prestadores de serviço a fim de garantir a titularidade e evitar a duplicidade de registros contábeis nas carteiras. Um trecho da norma causou polêmica – o que define que todo direito creditório “passível de registro” deverá passar pela registradora.
“A parte do conceito ficou muito ampla quando mencionou recebíveis ‘passíveis de registro’. Faltou ali realmente esclarecer passíveis a critério de quem. Quem seria o avaliador desses critérios? Ficou muito genérico. Porque ser passível de registro, teoricamente, todo recebível é”, pontua José Alexandre Freitas, CEO da Oliveira Trust, plataforma financeira com R$ 58,8 bilhões sob gestão.
Freitas conta que, em uma reunião da CVM, perguntou se, por exemplo, precatório era passível de registro. “Ficou aquele silêncio. Alguém respondeu que não. Então, questionei sobre a CCI (Cédula de Crédito Imobiliário) que já estiver registrada na bolsa. Eu precisaria levá-la para a registradora?
Falaram que não, pois já estava registrada na B3. Ué, isso não está na norma, não é?”, pontuou o executivo no encontro, adicionando que, além do encarecimento do custo aos FIDCs, isso não traria mais segurança para a estrutura.
A partir de ponderações como essa a CVM acabou publicando, em março último, a Resolução 181, dispensando da exigência de registro os direitos creditórios já protocolados em mercado organizado de balcão ou colocados em depositário central autorizado pela CVM ou Banco Central.
Klermann Caldas, head da área jurídica da Reag Investimentos, com quase R$ 100 bilhões sob gestão, acredita que novas orientações sobre o tema devem ser publicadas à frente. Enquanto isso, a equipe da casa se prepara para que toda a estrutura esteja pronta para operar a partir de outubro, quando os novos FIDCs que forem às prateleiras deverão estar em observância com a Resolução 175. Os fundos antigos ganham mais tempo para adaptação, com um prazo em abril de 2024. “Aqui na parte jurídica estamos trabalhando muito nos ajustes. No primeiro momento, no prazo de outubro, temos que ter documentos prontos para novos fundos que forem sendo constituídos. A partir disso, vamos começar um trabalho subsequente que, de certa forma, já se beneficia desse trabalho inicial, que é o trabalho de ajuste nos regulamentos. A norma estabeleceu que os fundos atualmente em funcionamento se adaptem até abril do ano que vem. Imaginamos que haverá um trabalho intenso de convocação de assembleias”, prevê Caldas.
Em meio ao esforço da indústria para deixar tudo em ordem para outubro, há uma certa preocupação sobre a interoperabilidade das registradoras e o fato de existirem poucas autorizadas a atuar no país, o que poderia gerar um gargalo operacional. Embora também gere um custo adicional, a obrigatoriedade dos registros é reconhecida como um avanço em direção a um mercado de crédito mais robusto, em que as informações estarão consolidadas.
“O benefício da mitigação do risco de inadimplência é maior do que o custo”, afirma Ricardo Binelli, da Solis Investimentos
“O benefício da mitigação do risco de inadimplência ou de prejuízo por fraude, na nossa leitura, é maior do que o custo”, diz Ricardo Binelli, sócio- diretor da Solis Investimentos, gestora com mais de R$ 12 bilhões sob gestão. “O gestor tem um papel super-relevante, de receber esses outputs da registradora e concluir se são bons ou ruins. É um avanço importante de transparência. Mas é preciso um gestor ativo, olhando as informações que a registradora gera. O registro não te dá uma visão sobre o caráter do tomador, sobre a capacidade de pagamento, por exemplo. Isso faz parte de uma análise de crédito.”
Entre as demais mudanças promovidas pela 175, a abertura dos FIDCs para o varejo é uma das mais celebradas pelo mercado, que pleiteava a flexibilização. Ante uma indústria com patrimônio líquido em torno de R$ 350 bilhões e cerca de 1,8 mil fundos de recebíveis, a CVM reconheceu o amadurecimento da categoria. Pela regra anterior, somente os investidores profissionais ou qualificados podiam alocar nesses produtos. Algumas premissas foram determinadas pela entidade para o FIDC poder ser ofertado ao público em geral. Entre os pré-requisitos, precisará ter rating, somente crédito performado, as séries deverão ter prazo definido e os investidores só poderão comprar cota sênior. “A CVM está sendo muito cuidadosa ao dizer que, para essas transações no varejo, o nível de governança terá que ser maior. Você terá que seguir uma série de critérios”, observa Cristiano Greve, sócio da Integral Investimentos, cujo PL em FIDCs soma R$ 12,7 bilhões.
Para Binelli, esse é um divisor de águas da indústria de FIDCs. “Isso traz muito mais visibilidade, tendo a cobertura da imprensa e de analistas. Vai se falar cada vez mais de FIDCs. Quem está pensando em captar recursos começará a ser provocado a, possivelmente, captar recurso através de FIDCs. E um investidor vai pensar que aqui tem um instrumento de renda fixa interessante, de baixa volatilidade, com um retorno melhor das aplicações tradicionais”, diz o sócio da Solis, que tem um fundo de recebíveis adaptado ao varejo para colocar na prateleira assim que a nova resolução entrar em vigor. “Temos um público crescente que aloca toda vez que conversamos com eles. E existe o entendimento que é uma classe que eles menos querem mexer por causa da consistência. Não vai entregar um prêmio de Bitcoin, mas também não vai entregar uma volatilidade maluca de queda.”
Nem todas as gestoras oferecerão FIDCs ao varejo de imediato. Freitas, da Oliveira Trust, acredita que haverá um crescimento relevante nas operações, mas, como em qualquer novidade em termos regulatórios, haverá uma curva de aprendizado. “Pela experiência desses meus 30 anos de mercado, já vi que, sempre que tem uma norma nova, gera um vale na produção e estruturação de fundos ou de ativos cuja norma acabou de modificar. É aqueleperíodo de aprendizado, de teste no mercado. A CVM, por exemplo, focou a responsabilidade no gestor e nem todos os gestores estão preparados para cumprir com aquelas obrigações que foram a eles delegadas pela 175. Talvez seja o principal motivo para uma barrigada no gráfico de número de fundos”, prevê.
Assim como toda a indústria de fundos de investimento no Brasil, a categoria de FIDCs também sofreu com resgates no ano. Embora a entrada do varejo possa ajudar a reverter um pouco esse fluxo, o fator macroeconômico tem maior peso.
“Isso, sozinho, não vai mudar a direção do mercado. Acho que vai ser uma derivada do cenário. O cenário para crédito agora não é bom. Principalmente, no varejo em si. Estamos vendo vários ativos de crédito no mercado secundário com taxas bem elevadas. Você não tem uma liquidez muito grande, então esses fundos estão sofrendo. Há vários FIDCs com altas PDDs (Provisões para Devedores Duvidosos).
“Não é porque você abriu para o varejo que vai todo mundo botar dinheiro”, diz o gestor da Reag, Octávio Vaz
Tem uns com mais do que 15%. Acho que, quando o cenário melhorar, sim, você tem uma possibilidade de captar mais recursos, porque você tem uma gama de investidores maior. Mas não é porque você abriu para o varejo que vai todo mundo botar dinheiro se a classe de ativo não está sendo recomendada, se não está em um momento bom para você colocar dinheiro ali”, avalia Octávio Vaz, gestor da Reag.
Os FIDCs chegam nas plataformas para o varejo como parte de um leque para diversificação dos portfólios. No entanto, não são bem esses investidores que podem ser responsáveis pelo maior fluxo aos fundos de recebíveis. Os novos aportes devem vir de forma indireta, na avaliação de Freitas, da Oliveira Trust.
“Não é que vai ter, no início, pessoa física comprando cota de FIDC. Você não vai ver anúncio para comprar cota de FIDC no Bradesco, Itaú, XP etc. Não vai ter isso. O que acontece é que, quando eu faço uma oferta de FIDC de R$ 1 bilhão de uma empresa boa, só quem pode comprar são os fundos que são destinados a investidores qualificados ou profissionais. Se ele for alocar num fundo de varejo, ele tem aquele percentual máximo de concentração de 10% sobre o PL. Então o FIDC tem limitação hoje na carteira dos fundos voltados para pessoa física. Com o FIDC de varejo, a CVM explodiu essa restrição”, afirma Freitas. “O FIDC que tiver preenchido os requisitos e puder ser vendido para varejo, ele pode ser comprado por qualquer fundo de investimento. E aí eu multiplico o volume de dinheiro do mercado destinado para esse tipo de fundo. Então acho que os grandes compradores serão os mesmos que já estão hoje só que com cheques maiores”, explica Freitas.