Saúde mental deixa de ser tabu e entra no radar das empresas
09/01/2023 – O GLOBO
Por Vitor da Costa — Rio
Físico e mental: Além de uma plataforma de atendimento psicológico, a gestora Oliveira Trust adotou a “hora da fruta”, quando uma funcionária passa de mesa em mesa oferecendo os alimentos Edilson Dantas.
Os problemas ligados à saúde mental aos poucos vêm deixando de ser um assunto tabu nas empresas. Antes mesmo da pandemia, as companhias passaram a se preocupar mais com o bem-estar dos funcionários, seja por meio de soluções próprias ou contratando serviços externos.
Hoje, os investimentos na área são uma forma não apenas de cuidar da saúde dos empregados, mas de reter e atrair talentos. A preocupação também fomenta o mercado de empresas especializadas em saúde mental, que viram suas bases de clientes multiplicarem.
Na Mondelez Brasil, o trabalho na área vem sendo feito desde 2018. A empresa transformou o clássico ambulatório em um programa de saúde integral, que inclui médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas.
— Implementamos assistência social e psicólogos, adicionalmente a um programa de auxílio jurídico e planejamento financeiro, porque, via de regra, uma das questões que levam a pessoa a ter problemas emocionais é a saúde financeira — conta Jorge Morato, diretor de Saúde, Segurança e Meio ambiente da Mondelez Brasil.
A empresa também promoveu flexibilizações no período de trabalho às segundas e sextas-feiras, além de realizar um evento anual para debater o tema. Outras iniciativas foram a utilização de um aplicativo que, entre outras funções, permite ao funcionário fazer terapia on-line, e a realização de uma triagem para mensurar como está a saúde mental de cada empregado.
— Durante a pandemia, percebemos que precisávamos chegar antes e não ser só reativo. Conseguimos mapear casos na fase inicial e direcionar o apoio correto. Essas pessoas, se o mercado vier e oferecer um dinheiro a mais, vão ponderar o cuidado que tiveram quando precisaram — avalia Morato.
Desde 2019, a unidade brasileira da multinacional de tecnologia SAP também realiza atividades direcionadas à saúde mental. Entre elas, estão rodas de conversas, campanhas de conscientização e parcerias com empresas especializadas, que disponibilizam consultas com psicólogos. A SAP subsidia um percentual das sessões.
A diretora de Recursos Humanos da SAP Brasil, Fernanda Saraiva, destaca que, além dos funcionários, é importante sensibilizar os gestores, para que se crie uma cultura na qual haja liberdade para falar desses problemas:
— O RH não consegue estar em todos os lugares, então, é muito importante a conscientização dos líderes de equipes. Se você não trabalhar saúde mental, vai estar com um problema na mão para atrair e reter talentos.
Mercado aquecido
Fernanda conta que a empresa decidiu criar um feriado corporativo. A iniciativa começou em 2021 e é um convite para que os funcionários façam atividades que gerem satisfação neste dia.
— A gente sabe que é simbólico, mas foi uma forma de a organização dizer que saúde mental é muito importante.
Trabalhando em uma multinacional há 22 anos, o gerente de Merchandising José Mário Lessa lidera um time de 500 pessoas em São Paulo e vê benefícios nessas iniciativas. Nos últimos anos, tem feito uso dos serviços que a empresa oferece, como flexibilizações no horário de trabalho e um aplicativo de terapia on-line. Para ele, a preocupação da companhia é um diferencial quando pensa em seu futuro profissional:
— Vez ou outra somos assediados pelo mercado, e um dos fatores que ajudam na decisão é olhar o quanto a companhia tem de preocupação comigo.
Alexandre Benedetti, diretor da Talenses, especializada em recrutamento e seleção, ressalta que as empresas passaram a olhar a questão não apenas como um assunto dos departamentos de RH:
— Para ter retenção, primeiro você precisa ter atração. Isso tem a ver com produtividade, engajamento.
A movimentação das empresas também estimula o crescimento de um mercado de companhias especializadas em oferecer soluções para saúde mental. É o caso da Zenklub, criada em 2016 após a mãe do CEO, Rui Brandão, sofrer um burnout no trabalho.
A empresa possui um aplicativo com conteúdos que incluem meditação interativa, videoaulas e consultas virtuais, além de capacitação e treinamento de lideranças.
— Há uma motivação de humanizar mais o lugar de trabalho e trazer um benefício que está atrelado ao desenvolvimento socioemocional dos funcionários e também ao amadurecimento das lideranças — comenta Brandão.
De 2019 para 2021, o volume de consultas on-line realizadas pela Zenklub cresceu 1.059%, chegando a 603 mil sessões. Já o número de vidas cobertas aumentou 1.664% no mesmo período, chegando a 300 mil vidas. Hoje, são 400 clientes corporativos.
Uma experiência pessoal negativa ao lidar com problemas de saúde mental também foi o motivador para a criação da Vittude, em 2016. Segundo a CEO, Tatiana Pimenta, a empresa começou como um marketplace que conectava pessoas que queriam fazer terapia a psicólogos.
Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) sinalizou, ainda em 2018, que o burnout poderia se tornar uma doença de trabalho, Tatiana viu uma oportunidade para que a companha crescesse:
— Significava que eu estava deixando de dizer que o burnout é uma doença da pessoa e dizendo que ela é causada pelo ambiente de trabalho, o que tem previsão previdenciária e trabalhista. Foi quando começamos a fazer as primeiras interações com empresas.
Foco na prevenção
Com a pandemia, a base de clientes corporativos explodiu, passando de sete, em março de 2020, para 200 hoje. Em número de vidas cobertas, o salto foi de 5 mil para 600 mil.
Vendo o crescimento desse mercado, o Gympass, que tinha como foco a saúde física, comprou a Vitalk, uma startup de saúde mental. A empresa oferece a solução Wellz, que fornece terapia on-line, além de conteúdos autoguiados e capacitações para o colaborador e para as lideranças da empresa. A plataforma viu o número de usuários mais que triplicar entre novembro de 2021 e novembro de 2022.
— Temos uma abordagem muito preventiva, tentando motivar todo mundo a cuidar da saúde mental para prevenir e não para curar uma doença. Porque, quando a pessoa chega nesse ponto, tem um sofrimento longo — explica a psicóloga e líder do time clínico da Wellz, Ines Hungerbühler.
Empresa institui ‘hora da fruta’
A gestora Oliveira Trust também decidiu apostar na união das duas vertentes, física e mental, para ajudar seus colaboradores a enfrentarem a jornada estressante do mercado financeiro. Além de implantar a “hora da fruta” — quando uma funcionária passa de mesa em mesa oferecendo os alimentos já cortados e higienizados — e adotar o aplicativo VIK de exercícios físicos, em setembro a empresa começou a oferecer atendimento psicológico por meio da plataforma Auster.
— Percebemos uma melhora não só na saúde física, com redução dos atendimentos médicos, mas uma evolução nos relacionamentos interpessoais, com as equipes mais tolerantes e com menos brigas — conta a gerente de Gestão de Pessoas, Carla Maia.
O benefício da terapia on-line foi utilizado pela publicitária Laís Marques, que trabalha em uma startup de delivery há um ano. Laís, que já teve burnout, viu uma melhora em sua produtividade:
— Sempre fui ansiosa e, como a empresa dava esse benefício, resolvi participar.